Safe (2018)
No meio de tantas séries britânicas que têm aparecido, Safe é uma das mais empolgantes.
Há séries que aparecem na nossa vida para nos mudar. Pensei nesta frase e achei-a tão despropositada e desenquadrada da realidade que a mantive, mais por diversão até. A verdade é que quase que soa como aqueles clickbaits baratos que os youtubers adoram usar para promover o seu conteúdo. “Fui ao sítio mais bonito de Portugal”, enquanto se referem aos Passadiços do Paiva, ou “Fui traído pelo meu melhor amigo”, que pode muito bem ser uma história em que o tal youtuber recomendou num restaurante ao seu amigo que escolhesse mousse de chocolate para sobremesa e o outro optou por um semi-frio de maracujá e caju. E bem, portanto. Adiante.
Resta-me – como alguém com mais noção do que um youtuber de vão de escada – clarificar então o clickbait. Safe não me fez olhar para algum valor (moralidade, liberdade de expressão, amizade, altruísmo, ou outro qualquer), foi algo bem mais simples: rendi-me à horrenda prática do binge-watching. E esta frase é capaz de dizer meia dúzia de coisas, tanto sobre mim como sobre a própria série.
Safe é uma história dividida em 8 episódios, que parte da premissa do desaparecimento da jovem Jenny, de 16 anos, e da morte do seu namorado Chris, dois crimes que podem ou não estar relacionados entre si e que a polícia tenta resolver. Segue uma fórmula usada várias vezes neste tipo de conteúdo, desde o justiceiro – neste caso o pai de Jenny, Tom, um cirurgião – que quer encontrar a verdade a todo o custo e que decide montar a sua própria investigação, sendo invariavelmente mais eficaz do que os próprios investigadores, que por seu turno não são os profissionais mais perspicazes do mundo. Mais um cliché? Uma jovem agente é transferida para esta pequena cidade depois de “alguns problemas pessoais no passado”. Bora a mais um: a inspetora-chefe deste caso é uma parte relacionado no caso, quer pelo envolvimento amoroso com Tom (um bocado metido a martelo, como qualquer bom cliché), quer pelo seu filho Henry ser amigo de Jenny (desaparecida) e Chris (morto). Estou cansado de clichés e prometo não maçar mais, mas este tem mesmo de ser: há um caso de pai e filha que nunca se conheceram e um vai à procura do outro. Pronto, já está. Não querendo esclarecer, mas fazendo-o: não sou nada contra fórmulas, elas existem para serem usadas e até quem defenda que todos os filmes do mundo seguem a mesmíssima fórmula e, no caso destes thrillers alucinantes, ela resulta muito bem.
Ainda que pejada destes pequenos truques, não creio que Safe seja a típica série sobre um desaparecimento. Em primeiro lugar, não há um apelo emocional desmedido entre as personagens mais chegadas a Jenny, o que se poderia traduzir em cenas demasiado “mela-cueca” a puxar ao sentimento, e aí o espectador ou vai buscar um pacote de lenços e se põe do lado das personagens, ou acha a coisa meio ridícula e abandona, mas felizmente esse dilema não se pôs. Isso pode verificar-se na forma como Tom encara o desaparecimento da filha: ele é decido mas não é um idiota que se transforma num super-herói que desata a bater em tudo o que mexe; ele está a sofrer mas não chora, não grita, não esperneia. É contido e cerebral. Enfim, é o Michael C. Hall a interpretar Dexter, sem a parte das facas e do sangue. Depois, Safe é muita coisa, é um caso de desaparecimento e outro de homicídio, são várias personagens que têm histórias mais ou menos impactantes e em cada episódio vamos sabendo mais um pouco sobre elas, são núcleos familiares não muito felizes. As personagens estão bem montadas na generalidade: Pete, o melhor amigo de Tom e também ele cirurgião, é credível, assim como Sophie, a detetive e amante, que tem uma relação em casa disfuncional com o ex-marido. Nada é tremendamente exagerado, a não ser a personagem de Jojo Marshall, um pai de família nos seus cinquentas, que é o típico empreiteiro de Amarante dos anos 90, se é que me entendem.
O binge-watching de Safe proporcionou-se não só pela qualidade da série, como pela dinâmica imposta: está sempre alguma coisa a acontecer, a nossa atenção vai mudando ao ritmo a que a história é contada e por total conveniência de quem a conta – contei, pelo menos, 7 suspeitos apontados a um dos crimes – e isso traz esse apelo a quem vê, o de descobrir o criminoso o mais rápido possível. A este ritmo as personagens não são minuciosamente exploradas e parece que não temos tempo de assentar a ideia de que um suspeito é, de facto, o culpado, porque 10 minutos depois já estamos noutro suspeito. São os dois lados da mesma moeda, assim como pouca gente ou ninguém faz binge-watching a Better Call Saul ou a Mad Men, porque as ideias precisam de ganhar alguma consistência na nossa cabeça e precisamos de discuti-las, nem que seja com o espelho. Por outro lado são séries mais lentas e mais “indigestas”, no sentido em que não são de consumo rápido. Safe é o oposto, é sempre a andar e há dias em que isso é tudo o que nós queremos.
O que mais se discutiu no maravilhoso mundo da Internet, e basta ver as publicações que saíram na altura da estreia ou as críticas de alguns dos principais jornais, como o Daily Express ou o CinemaBlend, foi a acusação de que o sotaque britânico de Michael C. Hall é, no mínimo, plástico e não convincente. Mas também já vi críticas de nativos a jurarem que se fecharmos os olhos estamos a ouvir um inglês a falar. Não me acho a melhor pessoa para avaliar sotaques, mas sei que ele não soa, de todo, ao Dexter de Miami Beach.
Há alguns aspetos na série nas quais tenho algumas reticências: achei demasiado apatetada toda a interação da família Marshall, que passam a série a tentar esconder um crime que não cometeram, mas são tão maus a fazê-lo que acabam por ser suspeitos. O facto de Jenny ter a necessidade absoluta e irredutível de não ir para casa ou, pelo menos, de descansar o pai é estranhíssima – assumo eu que ela tivesse calculado que o pai andaria louco à sua procura, mas não sei, essa questão não é explorada. Assim que acabei de ver o último episódio a pergunta que me assaltou o cérebro foi: porque raio ela andou fugida e se refugiou na casa de pessoas que nem conhece quando poderia ter ido ter com o pai e ter-lhe contado tudo? Não sei, não me entra.
Melhor personagem
Terei que escolher o Pete Mayfield (Marc Warren) porque é o que tem o melhor subplot da série, ainda que como disse acima, meio forçado. O personagem evolui bem, passando de melhor amigo de Tom, a protetor de Jenny, a principal suspeito do desaparecimento desta, de novo a melhor amigo de Tom e tendo depois o tal subplot mais à frente. Como já vi numa crítica algures, também achei estranho, tal como Tom, ele nunca estar a trabalhar ao longo da série, mas vamos esquecer esses pormenores que não interessam para nada e que só servem para descredibilizar séries que não são brilhantes. Em algo completamente não relacionado, a atriz Amanda Abbington, que faz de Sophie, amante de Tom e detetive principal do caso, está igual à atriz portuguesa Joana Brandão.
Melhor cena
Numa série deste tipo normalmente seria o desfecho final, que neste caso são dois, ou seja, há dois momentos em que o herói (ou heróis) conseguem desvendar a trama. Mas achei-as um bocado insonsas, portanto escolheria uma cena no episódio 6 entre a detetive Emma Castle (a tal que chegou agora à cidade, fugida de problemas pessoais) e Eric Pratchett, mais um suspeito. São dois minutos e meio de sobriedade numa cena bastante importante para o final da história, ainda que o espectador não saiba disso.
Se me lembrar de séries inglesas deste género que tenha visto nos últimos anos, logo à cabeça Bodyguard, mas também Collateral ou Anatomy of a Scandal, acho que Safe é inferior, mas ainda assim bastante razoável.
A série estreou em 2018, tem 8 episódios e está disponível na Netflix.