Olá,
Junho é, por definição, o mês de início de festas urbanas pelo país, com tudo o que é santo padroeiro a sair do armário (salvo seja, que eles era todos muito machos!) para dar aos convivas os comes e bebes para eles precisam para se sentirem felizes. Porque, no fim de contas, estas festas servem o único propósito de nos alimentarem, não só a alma, como o estômago. Tenho esta ideia em relação a junho, mas é bem possível que as festividades até comecem em maio, isto só falando nas cidades maiores, porque as aldeias aguardam pela vinda da emigrantada em agosto. Essas sim, festas relevantes e com quais a população tem, por princípio, uma ligação afetiva, até porque a maioria faz parte da comissão organizadora. Aliás, elas fazem tanto sentido que o que as cidades fazem é emular estas festas tradicionais mais pequenas e multiplicar os festejos pelos seus bairros ou freguesias, criando uma rivalidade engraçada, mas que faz cada vez menos sentido, tendo em conta que a maior parte das pessoas que moram nas grandes cidades não nasceu lá e, em muitos casos, nem se identifica com a memória do local. Daí eu achar que as festas populares de junho servem o propósito de comer, beber e ouvir música pimba, sem que haja propriamente uma ligação das pessoas à parte mais importante da coisa.
Começa com o Santo António, em Lisboa, que passou de uns dias, a uma semana, para agora durar o mês todo. Curiosamente, o padroeiro de Lisboa é São Vicente, mas, aparentemente, isto não faz confusão a mais ninguém, portanto está tudo bem, não vou questionar. Também não se chamava António, era Fernando, mas para quê implicar com isso agora? Os bairros empenham-se nas marchas (é o nosso Carnaval) e os casamentos são feitos com pompa, uma forma de ajudar a unir aqueles que não têm forma de financiar uma festa. Tudo o que acontece nos outros 29 dias é o mais divertido, é sim senhor, mas também é aquilo que menos lógica tem. É feriado em 14 cidades, de Aljustrel a Vila Verde.
Santo António já se acabou
O São Pedro está-se acabar
São João, São João
Dá cá um balão
Para eu brincar
Segue-se o São João. Não percebo a letra desta canção, de facto, se insinua que este é o último, depois do São Pedro, quando, pelo calendário, é ao contrário. Deve faltar-me aqui algum contexto para perceber isto. É muito festejado no Porto e em Gaia e também hoje prolonga-se por mais tempo do que devia, embora se sinta muito mais ligação das pessoas ao tema da festa: não há marchas nem casamentos, a ideia é assistir ao fogo de artifício e andar a pé até ter um ataque cardíaco. Muitos conseguem. Não assume tanto o bairrismo como em Lisboa, é mais uma comunhão familiar e entre amigos, que podem morar no mesmo bairro ou não. Uma espécie de segundo Natal, para onde se segue uma segunda passagem de ano, depois do jantar. Comemora-se em 34 concelhos, de Braga a Tavira, passando por muitos em várias ilhas dos Açores.
Acabamos junho com o São Pedro. Não tenho grandes referências deste, embora já o tenha festejado na Póvoa mas não cheguei a perceber bem a dinâmica. Sei que há novamente rivalidades bairristas, aqui entre o Bairro Norte e o Bairro Sul (talvez serem só dois aumente o interesse), mas pouco mais. Volta a haver marchas, mas a génese para quem é de fora é a mesma: música pimba, comida e bebida. Receita para o sucesso, de Évora a Felgueiras. O ponto é sempre o mesmo: tradições muito diferentes consoante o local, mas 90% só quer é apanhar uma bebedeira.
“Os teus olhos são fogueiras,
Onde os meus querem bailar.
Hei-de cansar os meus olhos
À volta do teu olhar”.
Quadra vencedora, em 1929, do concurso de quadras que o JN promove desde esse ano. Aqui está a lista toda.
Neste último ano (alguns meses, na verdade) tem-se assistido em Portugal ao surgimento de um movimento cultural que é uma espécie de Nova Portugalidade. Ou, se não quisermos associar movimentos culturais a pensamentos políticos protofascistas ou ultranacionalistas podemos abreviar para Apelo à Portugalidade, onde se pode encontrar a apologia de costumes, a tradições ou, no limite, a traços de personalidade do português (contendo sempre algumas inevitáveis generalizações). Não sou entendido em áreas como a Pintura ou Escultura e, portanto, não sei se o movimento se repete, mas certamente que na Música tem-se visto uma exaltação do ser português que antes não se via (ou não se divulgava dessa forma, mas já lá vamos). No Cinema já acredito que seja mais recorrente, ainda no ano passado estreou o excelente Alma Viva.
Há várias exemplos disto, uns mais orgânicos, outros mais forçados, alguns um tanto ou quanto indefinidos. Por exemplo, o Gótico Português dos Glockenwise traça um retrato de uma vida “na margem”, como eles dizem, um retrato muito específico da zona de Barcelos, de agora e do antigamente, e como isso acaba por moldar a personalidade das pessoas lá nascidas (com as conclusões do argumento plasmadas nas palavras sábias da Rosa Ramalho). Toda a persona do David Bruno, um artista maior do que a vida e um autoproclamado “antropólogo da era digital, iconoclasta, olheiro de portugalidade”, está assente na análise de alguns costumes portugueses, onde ele é exímio, mas muito centrada ou em personagens (inventadas, ou na maioria das vezes, extrapoladas) ou em locais mais pequenos, como Ermesinde, Vilar do Paraíso, Avintes, Candal, Mafamude, Miramar, enfim, tudo o que seja Grande Porto é objeto de estudo para ele. Apesar de se encaixar no movimento – ele e o Chico da Tina, já agora – é uma coisa perfeitamente orgânica, tanto que ambos sentem orgulho em serem considerados “artistas populares”. Nada a dizer, não os vejo a transformarem a sua sonoridade só porque sim.
Adicionando uma camada por cima deles os dois, podemos olhar para a Cláudia Pascoal, que sofre de uma miscelânea de influências. A ideia que passa é que ela quer agarrá-las todas, fazendo da personagem um misto de Madonna e de um qualquer membro de um conjunto de rancho. Acho que a explosão de cor e, ao mesmo tempo, as referências minhotas, mais soturnas, tornam tudo numa confusão, que nem ela vai conseguir explicar daqui a uns anos.
Mas indo a exemplos mais concretos: o que aconteceu com o revivalismo do José Pinhal, pelo culto montado à volta de uma personagem esquecida (desconhecida, até) dos anos 80, um mestre do baile que só teve sucesso agora, 30 anos depois da sua morte: houve alguém que o descobriu, isso gerou burburinho, algumas pessoas começaram a perguntar “quem é este gajo?” e o interesse foi aumentando. Como aconteceu com o Sixto Rodriguez, no Searching for Sugar Man, numa outra escala. Alguns músicos da Suave Geração pegaram nas músicas do José Pinhal e começaram a tocá-las em banda, os José Pinhal Post-Mortem Experience. Bizarro.
Outra: o Marante é agora um mito entre os jovens, uma estrela no circuito independente de Lisboa e Porto, tanto que esgotou uma noite no Maus Hábitos e encheu as Virtudes. Tudo montado pelo Mike El Nite e pelo João Não, com a marca Bar Dançante, que promete levar os nomes da música ligeira portuguesa (ou, em português, da música pimba) a sítios onde, normalmente, eles não passariam. É esperar mais meia dúzia de meses para ver a Romana no Plano B ou o Nel Monteiro no Musicbox. Ou o Saul a abrir para os Broa de Mel no Milhões de Festa. O fenómeno mais recente é o Pedro Mafama, uma personagem adorável mas com música terrível, que lançou um álbum que tem como objetivo trazer de volta a música de baile, mas ele, o Mafama, é peremptório em dizer que quer inovar no estilo a cada álbum e que se for preciso mudar de estilo vai fazê-lo.
Qual é o problema destes fenómenos? Vejo dois: primeiro, não acho, de todo, que o enaltecer dos costumes portugueses seja coisa contemporânea. Tirando o fado da equação (era batota) o B Fachada sempre o fez, o Samuel Úria a espaços também, o Luís Severo também (embora sobre uma realidade mais de urbana, lá está), o Manel Cruz, o pessoal da Flor Caveira (embora também em cenários mais específicos e muitas vezes metafóricos)… Será que isto é um movimento novo ou está agora a ser mais divulgado e, por ser mais divulgado, mais pessoas cavalgam esta onda? E aqui aparece o segundo problema: sinceramente, vejo muitos destes artistas a abandonarem este barco quando ele não for mais atrativo. E podem dizer: “mas não é suposto um artista inovar e até mudar de estilo, se é isso que sente naquele momento?”. Claro que sim, mas é demasiado estranho que um artista se vista de pastor da Guarda ou de chefe da filarmónica de Ponte de Lima e que cante sobre as festas populares de Macedo de Cavaleiros e, no ano seguinte, apareça a ser um copy cat dos Arctic Monkeys ou da Shakira. Mas isto sou eu.
Estava a pensar nisto enquanto lia sobre as marchas de Lisboa. Uma queixa de hoje é a de que muitos têm abandonado os bairros onde nasceram e foram viver para a periferia por causa da especulação imobiliária. Mas para esta tradição tão vincada da cidade voltam ao bairro de origem para os ensaios. A prova mais real daquele dizer “tu podes sair do bairro mas o bairro não sai de ti”. Eu podia ter pensado na dedicação notável destas pessoas que amam o sítio onde nasceram mas tiveram que “emigrar”, tendo sido forçados a separar-se da família e amigos, mas que, ainda assim, vão escolher sempre representar o seu bairro nas marchas populares, muitas vezes chegando a casa (em alguns casos na margem Sul) de madrugada, todos os dias, para não faltarem a nenhum ensaio. Podia, mas não foi o primeiro pensamento. Por muito estúpido que possa parecer pensei logo que não tarda nada surge um revivalismo das marchas populares e, em vez dos comes e bebes, o que vai motivar as pessoas a irem aos santos vão ser as cantorias, as roupas e as coreografias. Basta que alguém se lembre que isso é fixe e que pode render algum dinheiro. Esperemos, mas até 2030 estou confiante que vai acontecer.
Entretanto, comemorou-se o dia de Portugal, uma data só comemorada politicamente, o que me leva a pensar que não seremos assim tão patriotas como isso. Eu também não o sou. Mesmo comparada a outras datas relevantes na História de Portugal e que são comemoradas como tal, até acho que o 10 de junho fica atrás do 5 de outubro e do 25 de abril, pelo menos na perceção das pessoas. Será equiparado ao 1 de dezembro, talvez. É capaz de faltar um rebranding ao nosso 10 de junho. Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas é um nome muito extenso e pouco cativante. Também é capaz de sofrer por ter sido o dia da Raça durante 41 anos, coisa que mancha claramente a sua imagem. Talvez se fosse só Dia Nacional ou Dia da Portugalidade fosse mais bem recebido. E se houvesse comes e bebes também ajudava.
E porque ele também fez anos:
“Via estar todo o Céu determinado
De fazer de Lisboa nova Roma;
Não no pode estorvar, que destinado
Está doutro poder que tudo doma.
Do Olimpo desce enfim desesperado;
Novo remédio em terra busca e toma:
Entra no húmido reino, e vai-se à corte
Daquele a quem o mar caiu em sorte”.
Lusíadas, Canto VI, estrofe 7.
Recomendações do mês
Nunca me tinha perguntado quem é que manda nos patrões. Ou, neste caso, quem regula os reguladores. Uma explicação interessante sobre estas teias burocráticas, com o exemplo da FDA.
Este mês ficou marcado por uma polémica entre a administração e os utilizadores do Reddit, que mandaram abaixo mais de 8000 sub-reddits em protesto contra a alteração a utilização das suas APIs por terceiros, nomeadamente no preço cobrado pelas chamadas às mesmas. Como consequência desse apagão, muitas resultados de pesquisas no Google foram afetados porque respostas em canais do Reddit costumam ser dos primeiros resultados a aparecer. Tudo explicado aqui. Isto depois de o CEO ter dito, de forma arrogante, que este bloqueio vai passar. Vai, vai, fia-te nessa.
Tem havido experiências para melhorar os protótipos de implantes cerebrais e agora apareceu um que promete uma grande evolução, mais pequeno, menos invasivo e mais eficaz. Foi agora testado pela primeira vez num ser humano e, se correr bem, vai resultar em avanços no tratamento de várias doenças neurológicas ou, simplesmente, na recuperação das mesmas.
Continuando na Ciência, descobriu-se que há uma espécie de parasita que prolonga a vida das aranhas, fornecendo-lhe mais proteína do que é normal. A vida toda ao contrário? Claro que, se este estudo se confirmar, vamos começar todos a extrapolar para a nossa vida e alguns irão sugerir uma vacina com este parasita para vivermos todos até aos 200 anos e o mundo rebentar pelas costuras.
A história engraçada de como a Apple está a tentar registar a patente de imagens de maçãs na Suíça há vários anos, mas o país responde que “generic imagery of common items are considered to be in the public domain”.
O tema do teletrabalho nunca foi pacífico para alguns CEOs de Sillicon Valley, o Elon Musk e o Jeff Bezos foram até bastante vocais contra isso. Agora é a vez da Google ou da Salesforce sugerirem o plano de regresso ao escritório, ainda que de forma faseada. Preparem-se é para os despedimentos em massa porque há muita gente que já não está para isso, como se viu na Amazon. Há ainda problemas logísticos, como a falta de secretárias ou de salas para toda a gente. Tempos giros.
O Is This It continua a ser um marco na Música do século XX e descobri com este vídeo quem idealizou o som para o álbum. Os detalhes são extremamente técnicos, só apanhei metade e tive que procurar o significado da outra metade, mas nota-se o orgulho no produtor quando fala do álbum.
Esta palestra muito antiga, mas que só descobri esta semana. Hoje o Andrew Tarvin é CEO da Humor That Works, uma empresa que ajuda a que as pessoas usem o humor para não darem um tiro na cabeça enquanto lidam com o trabalho. É fixe, mas ao mesmo tempo triste que tenha que haver estas artimanhas para lidarmos com o facto de não gostarmos do que fazemos.
Quando termino alguma série ou filme de que goste muito costumo ir ver entrevistas ou análises mais deep sobre o tema. Também é uma forma de me sentir burro porque, na maior parte das vezes, percebo que houve algumas coisas que me escaparam. Em relação a Succession vi dezenas, é impressionante a quantidade de canais de Youtube que se dedicam a isto. Este foi o que mais gostei, exclusivamente dedicado ao final. Já agora, eu gostei muito da forma como a série acabou e de todo o subtexto, foi um grande final.
Boa entrevista ao Obama, como sempre, e muito bem guiada. Eu estava muito expectante pela resposta à primeira pergunta (que era a que eu lhe queria fazer, caso pudesse), mas ele esquivou-se de uma forma que me deu a entender que talvez as listas anuais que ele costuma fazer sejam, em parte, fabricadas. Ainda disse que nunca recomenda nada que não tenha mesmo gostado, mas não respondeu quando lhe perguntaram a história central do livro After Lives, que ele recomendou em 2020. Claro que isto serviu para eu passar as duas horas seguintes a ver vídeos aleatórios do Obama.
Ideia muito interessante sobre formas de melhorar o sistema de voto. Aqui o autor, Manuel Sá Valente, parte da premissa de que um voto extra poderia mudar drasticamente o resultado das eleições. Esse voto poderia ser traduzido num voto positivo (o eleitor vota nos dois partidos com que mais se identifica) ou num voto negativo (o tal voto extra seria para penalizar quem o eleitor menos gosta). As conclusões são elucidativas para percebermos que faria uma grande diferença e que, por exemplo, neste segundo caso, o Bloco, o PCP e o Chega desapareceriam do Parlamento.
Parece que o Rick Astley anda a dedicar-se a fazer covers dos Smiths e tocou-os, quase integralmente, no Glastonbury. Achei piada a um comentário que dizia que era fixe estar a ouvir Smiths sem ter que aguentar um atraso de 2 horas e ouvir o Morrissey a queixar-se de tudo e mais alguma coisa.
Esta reportagem da New Yorker fala de como as estrelas pop podem ser contratadas para eventos privados. Estão lá todos, Drake, Beyoncé, Flo Rida, Rod Stewart, Diana Ross… todos. Spoiler alert: a Beyoncé cobrou 24 milhões de dólares por uma hora de concerto no Dubai, este ano. Sim, a pessoa que já dedicou um álbum aos pioneiros da cultura queer, foi atuar para o governo do Dubai. Giro
Este post:
Entre compras e ofertas:
Playlist do mês
Carnavoyeur (Queens of the Stone Age, 2023)
The Ballad of Betty and Barney Hill (Angelo De Augustine, 2023)
If You Tolerate This Your Children Will Be Next (Manic Street Preachers, 1998)
Quiet Eyes (Sharon Van Etten, 2023)
Fairground (deary, 2023)
Eyot (Stephen Shannon, 2023)
Garden and Glass Flowers (SQÜRL, 2023)
I Have a Lot to Say (7ebra, 2023)
Not the Only Road (Richard Hawley, 2023)
Sleep Thief (Luis Navidad, 2023)
kisses (Slowdive, 2023)
Build (The Housemartins, 1987)
Leaving the Garden State (Geographer, 2019)
Fond (John Hayes, 2022)
Heart of Gold (Ilsey, Bon Iver, 2023)
A lista completa pode ser ouvida aqui. Aproveitei e adicionei a seleção de março, que me tinha esquecido e que até é a minha favorita até agora.
Um abraço.